Uma mulher extremamente carregada, que anda pesadamente, se arrastando no meio do caminho, como quem carrega sobre si toda a culpa de um mundo inteiro...
Uma mulher que esbarra num garoto de 15 anos em uma tarde chuvosa e sente piedade dele...
Ela ama esse garoto, ama os seus livros, a sua leitura...
E ele lê para ela, ele ama ler para ela, ele a ama depois da leitura ou lê depois de amá-la.
Entre poemas e peças de Tchekhov, como tb os livros de Homero e de Tolstói, essa mulher se permite aliviar a sua estranha dor e encarnar um delicado prazer, que tira dela aquele peso altamente carregado, uma leveza momentânea, quem sabe a insustentável leveza do ser.
O nome dela é Hanna Schmitz, mas isso pouco importa quando ela está ali, na sua banheira ou cama, entrelaçada no sexo daquele garoto que ela ensinou e aprendeu a arte de amar.
Um dia o tal garoto se atreve a perguntar para Hanna se ela o ama realmente.
Por um instante ela vacila mas, logo depois, ela diz que SIM com toda a segurança do mundo.
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"The Reader" está longe de entrar na minha lista de CEM filmes + incríveis que eu já vi até hoje.
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Talvez pq seja um filminho pesado demais e o peso, às vezes, me contamina e é melhor manter uma certa distância dele.
Mas toda a parte inicial desse filme é de uma delicadeza que só uma atriz competente pode carregar nas costas.
E ""The Reader" é tão somente Kate Winslet e + ninguém.
Ela carrega esse filme sozinha, sem medo do peso da sua pesada personagem, com a sensibilidade e segurança que só uma grande atriz possui.
E é ótimo poder constatar na telona que aquela menina meio rechonchudinha, que pegou o Leonardo Di Caprio em "Titanic", se tornou uma atriz de verdade, inteiríssima em cena, atriz de cara limpa, com rugas e pés-de-galinha, uma testa sem botox nenhum, seios sem aquelas bolas siliconadas que deformam todo e qualquer resquício de feminilidade, uma estria aqui, uma celulite acolá e muito TALENTO...
Por isso mesmo, Kate Winslet está absolutamente bela em "The Reader", uma beleza que põe mesa, com aquele seu olhar um tanto quanto confuso, uma segurança que vacila quase sempre, uma culpa que parece ser bem + pesada que seus próprios ombros...
Às vezes, Hanna Schmitz é uma mulher dura, carrancuda, capaz de dizer praquele garoto que ela aprendeu a amar que ele não é nada, não faz a menor diferença na vida dela...
Mas, às vezes, Hanna Schmitz é um poço de fragilidade, uma mulher que ama descaradamente, se entrega sem rédeas, que se esconde numa fortaleza por amar demais e por saber que todo aquele incontrolável sentimento pode ser, talvez, a sua grande perdição.
Culpa por amar demais???
Não se sabe, Hanna não abre a sua boca pra se justificar, ela está presa, presa em si mesma!!!
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Poderia até ZOAR aqui, dizendo que vou fazer agora uma Linha Hanna Schmitz e que, em vez de ficar horas e horas lendo sozinho, poderia chamar aquele meu vizinho delicioso de 17 aninhos (Madame Clessi???) pra ficar lendo pra mim as peças de Sarah Kane, Harold Pinter, Beckett, Moreno e Genet...
Não deixa de ser uma excelente idéia, vou até pensar seriamente nesse caso de polícia (se bem que eu já fiz isso algumas vezes com os gibis do X-Man daquele meu amiguinho judeu, hehehe).
Mas "The Reader" é um filme com uma seriedade tão desconsertante que chega a ultrapassar o terrivelmente jocoso.
Um pouco cansativo em algumas cenas, é verdade!
Mas a primeira parte do filme é muito foda, com o encontro deles, as páginas, as entrelinhas, os pontos de interrogação, as reticências...
Pensei até nas pessoas que eu amei e que, de uma forma ou de outra, tb me influenciaram no meu gosto musical, intelectual, artístico, enfim, sei lá...
Viajei até aquela figura que me chamava pra a casa dele e ficávamos trancados no seu quarto a noite inteira escutando Chico cantar:
"Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir"
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Ou até aquele outro que me emprestou "Cem Anos de Solidão" do Gabo, "A Montanha Mágica" do Thomas Mann e que ficava me chamando de filho da Capitu, pq meu nome se parece com EZEQUIEL e, por causa de um trabalho escolar que a gente fez juntos (eu já até contei esse fato aqui na blogosfera), eu li "Dom Casmurro", e depois "Menino de Engenho" e, no mesmo embalo, "O Mulato", "Cais da Sagração" e a "Ilíada" na tradução incrível do escritor maranhense Odorico Mendes.
Sem falar nas tardes inteiras olhando o sol cair na Baia de São Marcos, ali naquele casarão absurdamente histórico da Rua da Estrela, quando a gente ficava apenas se olhando, sem nada pra dizer pq um olho já te diz tudo, enquanto a Calcanhoto nos dizia:
"Eu vou publicar os seus segredos
Eu vou mergulhar sua guia
Eu vou derramar nos seus planos
O resto da minha alegria..."
Publicar seus segredos???
E olha que eu ainda nem pensava em ser um JORNALISTA & DRAMATURGO.
Mas "eu protegi teu nome por amor..." Ou seria "My baby's got a secret"???
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Um comentário:
Vou ver esse filme logo mais. Daqui a pouco. Acho que todos nós temos aquelas figuras essenciais que mostram pra gente livros, peças, músicas que nos educam...Sabe o que mais Zen? Mesmo já passando um pouquinho dos 40 é nítido que somos eternos aprendizes. E esse é o grande barato capaz de me deixar lambuzar, me melar, me embebedar das boas coisas que a Vida oferece.
By the way... aguarde minha réplica... não esqueci não... Nossa... que dias são esses!
bjus
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