Uma ATUAÇÃO marcante no CINEMA por ZEN SALLES:
Foi no ano de 1989 que o filme “Superoutro”, do cineasta baiano Edgar Navarro, entrou para a história do cinema brasileiro. O média-metragem de 45 minutos impressiona principalmente pela atuação de seu protagonista Bertrand Duarte. E por causa desse seu trabalho tão visceral, Bertrand faturou o Kikito de Melhor Ator no Festival de Gramado, o mais importante prêmio do cinema brasileiro.
“Superoutro” conta as desventuras de um louco que sai pelas ruas de sua cidade subvertendo a (des)ordem das coisas, dizendo verdades que só os loucos ousam dizer, desamarrando assim as camisas-de-força que a própria sociedade criou para camuflar os seus desejos mais descarados.
O conflito desse herói é com as amarras de uma sociedade que adora pregar a liberdade como um bem maior e necessário, mas que, por outro lado, ela só nos oprime com o seu modo de vida cada vez mais esquizofrênico. "Acorda HUMANIDADE", grita ele com tom de provocação. E o grande desejo do Superoutro é voar, sair desse mundo e simplesmente voar, como todo e qualquer superherói que se preze. "Abaixo a GRAVIDADE", anarquiza enquanto se joga pelos ares.
A saga desse típico herói brasileiro (ou seria anti-herói?) não poderia ser mais bizarra, chegando até ao explicitamente escatológico em algumas de suas cenas. Mas, nem por isso, essa saga deixa de ser poética. Aliás, justamente por causa de sua extrema ousadia é que a sua poesia se mostra tão perturbadora, crua e humana.
Bertrand Duarte já era um dos atores mais expressivos da cena teatral de Salvador quando aceitou o convite de Edgar Navarro para interpretar o personagem principal em “Superoutro”. Ele me contou que o seu processo de preparação para esse papel foi muito intenso e que, em alguns casos, ele teve até que pedir uma “autorização sobrenatural” para poder fazer determinadas cenas. Como, por exemplo, na cena onde ele devora uma das milhares de oferendas espalhadas pelo litoral da Baia de Todos os Santos.
Lembro que a primeira vez que assisti “Superoutro” as suas fortes imagens, em princípio, me incomodaram um pouco. Até porque é muito difícil ficar totalmente indiferente com as cenas onde ele defeca ou até mesmo quando se masturba enquanto assiste ao programa “Roletrando” do Sílvio Santos. Logo depois do impacto inicial, eu fui me deixando levar pela louca viagem desse herói “made in Brazil”. E foi aí que eu descobri toda a sua desconcertante e nada sutil lucidez.
Também é bom lembrar que, depois de “Superoutro”, Bertrand atuou em outros importantes filmes do cinema nacional, como em “Alma Corsária” do Carlos Reichenbach. Mais recentemente, ele fez “Dawson, La Isla 10”, do cineasta chileno Miguel Littin e, também, ganhou o Prêmio de Melhor Ator da edição 2009 do Festival de Cinema do Paraná, pelo seu trabalho em “Pau Brasil”, dirigido por Fernando Bélens.
E mais: Bertrand Duarte e Edgar Navarro se reencontram 20 anos depois, agora no longa “O Homem que Não Dormia”, totalmente gravado na Chapada dos Viadeiros, lá na Bahia, e que traz em sua trama fortes elementos do folclore do Nordeste brasileiro. Esse filme, que é um sonho de Edgar Navarro que durou cerca de 30 anos entre a produção do roteiro e o início de suas gravações, já tem estreia prevista para o ano que vem.
*** Esse texto foi desenvolvido para a Oficina de Crítica de Cinema, ministrado por Christian Petermann (Revista SET, Rolling Stones, Folha de São Paulo e etc.)
Comentário do Christian sobre o texto acima:
“Excelente escolha, texto único, bem exposto, com boas informações; e também compartilha uma experiência pessoal com um filme raro”
quinta-feira, 17 de junho de 2010
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