quinta-feira, 17 de junho de 2010

AbaiXo a GRAVIDADE!!!

Uma ATUAÇÃO marcante no CINEMA por ZEN SALLES:


























Foi no ano de 1989 que o filme “Superoutro”, do cineasta baiano Edgar Navarro, entrou para a história do cinema brasileiro. O média-metragem de 45 minutos impressiona principalmente pela atuação de seu protagonista Bertrand Duarte. E por causa desse seu trabalho tão visceral, Bertrand faturou o Kikito de Melhor Ator no Festival de Gramado, o mais importante prêmio do cinema brasileiro.

“Superoutro” conta as desventuras de um louco que sai pelas ruas de sua cidade subvertendo a (des)ordem das coisas, dizendo verdades que só os loucos ousam dizer, desamarrando assim as camisas-de-força que a própria sociedade criou para camuflar os seus desejos mais descarados.

O conflito desse herói é com as amarras de uma sociedade que adora pregar a liberdade como um bem maior e necessário, mas que, por outro lado, ela só nos oprime com o seu modo de vida cada vez mais esquizofrênico. "Acorda HUMANIDADE", grita ele com tom de provocação. E o grande desejo do Superoutro é voar, sair desse mundo e simplesmente voar, como todo e qualquer superherói que se preze. "Abaixo a GRAVIDADE", anarquiza enquanto se joga pelos ares.

A saga desse típico herói brasileiro (ou seria anti-herói?) não poderia ser mais bizarra, chegando até ao explicitamente escatológico em algumas de suas cenas. Mas, nem por isso, essa saga deixa de ser poética. Aliás, justamente por causa de sua extrema ousadia é que a sua poesia se mostra tão perturbadora, crua e humana.

Bertrand Duarte já era um dos atores mais expressivos da cena teatral de Salvador quando aceitou o convite de Edgar Navarro para interpretar o personagem principal em “Superoutro”. Ele me contou que o seu processo de preparação para esse papel foi muito intenso e que, em alguns casos, ele teve até que pedir uma “autorização sobrenatural” para poder fazer determinadas cenas. Como, por exemplo, na cena onde ele devora uma das milhares de oferendas espalhadas pelo litoral da Baia de Todos os Santos.

Lembro que a primeira vez que assisti “Superoutro” as suas fortes imagens, em princípio, me incomodaram um pouco. Até porque é muito difícil ficar totalmente indiferente com as cenas onde ele defeca ou até mesmo quando se masturba enquanto assiste ao programa “Roletrando” do Sílvio Santos. Logo depois do impacto inicial, eu fui me deixando levar pela louca viagem desse herói “made in Brazil”. E foi aí que eu descobri toda a sua desconcertante e nada sutil lucidez.

Também é bom lembrar que, depois de “Superoutro”, Bertrand atuou em outros importantes filmes do cinema nacional, como em “Alma Corsária” do Carlos Reichenbach. Mais recentemente, ele fez “Dawson, La Isla 10”, do cineasta chileno Miguel Littin e, também, ganhou o Prêmio de Melhor Ator da edição 2009 do Festival de Cinema do Paraná, pelo seu trabalho em “Pau Brasil”, dirigido por Fernando Bélens.

E mais: Bertrand Duarte e Edgar Navarro se reencontram 20 anos depois, agora no longa “O Homem que Não Dormia”, totalmente gravado na Chapada dos Viadeiros, lá na Bahia, e que traz em sua trama fortes elementos do folclore do Nordeste brasileiro. Esse filme, que é um sonho de Edgar Navarro que durou cerca de 30 anos entre a produção do roteiro e o início de suas gravações, já tem estreia prevista para o ano que vem.

*** Esse texto foi desenvolvido para a Oficina de Crítica de Cinema, ministrado por Christian Petermann (Revista SET, Rolling Stones, Folha de São Paulo e etc.)


Comentário do Christian sobre o texto acima:
“Excelente escolha, texto único, bem exposto, com boas informações; e também compartilha uma experiência pessoal com um filme raro”

quarta-feira, 16 de junho de 2010

“Steeeeeeeeeeella!!!”

Um FILME marcante no CINEMA por ZEN SALLES:





















Como um amante FIEL de CINEMA, incontáveis são os filmes que fazem parte do meu GENOMA cinematográfico. Mas, quando comecei a ter consciência desse meu vício incurável por salas de projeção, eu lembro que tinha uns 13 anos de idade e foi exatamente em um festival de filmes inspirados em grandes obras literárias e teatrais organizado por minha escola – evangélica, diga-se de passagem – que eu me deparei com um diabólico Marlon Brando encarando Vivien Leigh em um filme assinado pelo Elia Kazan.

Com o sucesso nos palcos da peça teatral de Tennessee Williams, “Um Bonde Chamado DESEJO” logo teve uma adaptação cinematográfica em 1951. No Brasil, o filme recebeu o sugestivo nome “Uma Rua Chamada PECADO”. E todo mundo já sabe o sucesso que o filme fez tanto lá fora como aqui, além de todos os prêmios que ele conquistou. Sem dúvida, uma filmografia icônica da chamada Sétima Arte.

Mas, voltando aos meus 13 anos, lembro que fiquei absolutamente hipnotizado com a atuação de todo o elenco, atores em POSSESSÃO, completamente dominados pela intensidade dos seus personagens. Logo na primeira cena, uma frágil Blanche DuBois chega na estação de Nova Orleans e já precisa da “bondade de um estranho” para obter informações de como chegar até o lugar onde mora a sua irmã Stella.

Algumas cenas depois, vemos um Stanley carregando pedaços de carne em sua costa, a personificação perfeita de um brutamonte em estado puro. Não demora muito para que toda a fragilidade confusa de Blanche se confronte com a brutalidade intempestiva de Stanley.

Inesquecível a cena de Stanley gritando “Steeeeeeeeeeella!!!” e aquela mulher descendo as escadas, ardendo de tesão por seu homem. Não me lembro de uma cena mais sexual sem apelar para a nudez em toda a história do cinema. Só o olhar encharcado de desejo do casal é mais que suficiente para dar o recado.

Talvez por causa da própria origem teatral da trama, Elia Kazan praticamente filmou a peça de Tennessee Williams. Até porque todos os elementos utilizados nessa narrativa cinematográfica servem para intensificar os conflitos que Blanche DuBois já vem carregando antes mesmo do filme começar, pois tudo no filme gira em torno dela, que é uma das personagens femininas mais bem construídas (ou o correto seria dizer desconstruída?) da história da dramaturgia universal.

Sem falar que, nesse filme, os diálogos são tão importantes quanto a própria ação das personagens. Ou, como já se disse e se repetiu tantas vezes por aí: “Um Bonde Chamado Desejo” não passa de uma peça filmada. Nada apela para o explícito nesse filme, mas tudo nele fica tão patente. A cena do estupro, por exemplo, é resolvida com a imagem de Blanche refletida em um espelho espatifando.

E é justamentente por causa de suas interpretações viscerais, por sua direção precisa e, principalmente, pela sua dramaturgia tão sensível e ao mesmo tempo vigorosa, “Um Bonde Chamado Desejo” faz parte de minha coleção de cabeceira, um filme que sempre vejo e revejo com a mesma garganta entalada, os olhos hipnotizados e o prazer da descoberta de um garoto de 13 anos.

























*** Esse texto foi desenvolvido para a Oficina de Crítica de Cinema, ministrado por Christian Petermann (Revista SET, Rolling Stones, Folha de São Paulo e etc.)


Comentário do Christian sobre o texto acima:
“Texto muito bem desenvolvido e amarrado. Parabéns!”