sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

No Doubt

“Dúvida” começa com o Padre Flynn falando de quando a CERTEZA nos abandona e passamos a sentir uma estranha sensação de ter perdido algo que nos conforta, que nos conduz...

Daí vem um sentimento de total desesperança e, consequentemente, o inevitável MEDO.


E enquanto o Padre Flynn prega o seu sermão, a rigorosa Irmã Aloysius caminha sorrateiramente por toda a “nave” da igreja, buscando qualquer vestígio de tudo aquilo que está FORA de seu controle.

Ela não perdoa as crianças que cochilam e cochicham enquanto o padre profere a sua pregação dominical.
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Afinal de contas, Papai do Céu não gosta de crianças danadinhas, isso é coisa do Cão e, se sair da linha, vai arder no fogo do INFERNO que não é Aloca, nem a D-Edge, muito menos a Clash.

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No meio disso tudo, está a Irmã James, uma freirinha meio inocente e um tanto quanto abobalhada, que não sabe se vai ou se fica e que acaba achando meio esquisita a relação afetuosa e protetora que o Padre Flynn mantém com um garoto negro de apenas doze anos.

E uma acusação de PEDOFILIA contra o Padre Flynn seria um prato farto para a Irmã Aloysius, que percebe naquela “denúncia” a oportunidade perfeita de tirar definitivamente uma PEDRA do seu sapato.

Por essa sequência inicial de “Dúvida”, os mais precipitados e maniqueístas cuidarão logo em classificar o padre Flynn como um cara “gente boa”, que representa uma postura + “liberal” ou “progressista” da tal Santa Sé...

Por outro lado, a Irmã Aloysius receberá imediatamente a carapuça de todo o conservadorismo e atraso dessa instituição religiosa, uma espécie de Flora ou a Odete Roitman do Catolicismo (isso é que dar ficar assistindo novelinha pobre), enfim, a criatura certamente poderá ser encarada como a própria fogueira da Santa Inquisição em pessoa.

Mas não, não é essa a questão e “Dúvida” é um filme realmente SURPREENDENTE, exibindo personagens HUMANOS, que talvez até se escondam dentro de uma batina ou qualquer outra forma de rigidez religiosa, negando as suas ditas fraquezas, os seus pecados mais reveladores, ou até mesmo o medo de expor as suas fragilidades, pois não é de bom tom sair por aí dando provas inequívocas que você é um mortal e, provavelmente, conheça a arte de PECAR (“atire a primeira pedra que nunca pecou?”, perguntou uma vez o tal Jesus que não é o da nossa Madonna do pau oco).
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Confesso que, quando “Dúvida” acabou, fiquei de CARA principalmente por causa de cenas desconcertantes como aquela em que a mãe do garoto negro de doze anos fala pra tal Irmã Aloysius sobre a “natureza” de seu filho e que ela não condena a relação dele com o padre Flynn, mesmo que essa relação seja uma relação mais “profunda”, porque ela se sente mais confortável sabendo que seu filho está envolvido com alguém que só vai protegê-lo.
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A cena do travesseiro rasgado, com suas penas de ganso ao vento, numa clara metáfora a “arte” da FOFOCA, também é genial e cutuca com vara grande e grossa todos nós que adoramos dizer que ODIAMOS uma fofoca... Mal-contada, óbvio!
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Outra coisa que tb me pegou nesse filme é que ele não vem com um discursinho babaca de querer enquadrar as pessoas num determinado tipo de rótulo ou qualquer coisa assim (aliás, eu acho mesmo que não existe coisinha mais pobre do que ficar catalogando todo mundo, como se as pessoas fossem limitadas, sem a menor complexidade, acho isso o fim da picada, de uma pobreza inclassificável, sai de RETO, Satanás!).

E é isso aí, “Dúvida” fala de HUMANIDADE no sentido + amplo da palavra.

E vai mais fundo ainda quando fala de INTOLERÂNCIA, uma intolerância que tanto pode ser aquela que não se cansa de fazer picuinhas por coisinhas “menores”, como tb aquele tipo de intolerância que nos aterroriza e até nos deixa indignados, como a notícia dos skinheads que “riscaram” no estilete o corpo de uma brasileira grávida lá pelas bandas de Zurique, simplesmente porque a criatura é estrangeira.

Mas “Dúvida” tb fala de COMPAIXÃO.

E compaixão é mais difícil de engolir em seco...

Afinal de contas, você perdoaria um xenófobo que cortou sua filha grávida ou isso é humanamente impossível???
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Contudo, pra quem se diz católico praticante ou não-praticante, aquela famosa "ladainha" suplica: “perdoa as minhas ofensas assim como eu perdoo os meus inimigos”.

E com ou sem skinheads a compaixão não é uma das tarefas mais fáceis do mundo.

E é disso que “Dúvida” fala.


Mas o filme aborda essas questões sem cair no melodramático ou numa traminha meio piegas.
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E, para que o filme ganhasse a “densidade” e o tom acertado, o diretor John Patrick Shanley não teve a menor dúvida...
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O cara escalou as duas maiores FERAS de Hollywood na atualidade pra protagonizar o seu filme: Meryl Streep & Philip Seymour Hoffman.

E o que falar de Meryl Streep, hein?

Até a minha faxineira sabe que Meryl Streep é a MAIOR, que ela é – nesses nossos tempos escabrosos – o que Vivien Leigh, Greta Garbo e Batty Davis foram em tempos remotos.

Já o Philip Seymour Hoffman é um outro puta ator do caralho.

Lembro que a primeira vez que eu prestei atenção nele foi quando Philip atuou no delicioso “Boogie Nights”...

Ele fazia a “bibinha” da claquete que era “louca” pra catar o pauzão do tal ator pornô que era o protagonista da trama.

Muito foda aquela cena em que o personagem dele começa a suar descontroladamente em bicas, quase passando mal, enquanto o tal ator pornô gravava uma cena de sexo explícito, onde ele comia nada menos nada mais que a bela Julianne Moore.

Anos depois, Philip Seymour Hoffman se consagraria definitivamente incorporando o Capote naquele filme arrasador.

Aliás, “Capote” foi quase uma sessão espírita, pois Philip encarnou perfeitamente todo o veneno, acidez e delicadeza do jornalista que escreveu “A Sangue Frio”.
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Sem falar que eu tô louco pra vê-lo na pele do Pinguim na próxima aventura do Batman...

Se Heath Ledger, que era um tanto quanto cru e inexperiente, foi capaz de fazer o que fez com o seu apetitoso Coringa, já posso até surtar só imaginando o que um ator com cacife de um Philip Seymour Hoffman pode causar dentro de um papel tão insanamente absurdo.

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Pois é, o elenco de “Dúvida” não poderia ser melhor.

O texto também é muuuito bem amarrado, com diálogos cortantes, precisos e que colocam todas as questões que a igreja tem enfrentado nesses últimos tempos e até se negando a discutir.
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E o que pensar de uma igreja que faz vista grossa pra AIDS, pra questão do aborto e que mete VARA nos gays (e o VARA aqui nem é no sentindo prazeroso da coisa, é bom lembrar esse enorme detalhe, viu)???

E eu nem vou perder meu tempo falando de padres pedófilos (deixa isso pro Almodóvar, pois ele tem + conhecimento de causa e sabe transformar a coisa em ARTE).

Mas, enfim, Religião perdeu o seu sentido real e até epistemológico, concorda???
Pois o “religar-se com o Divino” é a última coisa que se pode tentar racionalizar quando se pensa em como a intolerância religiosa domina geral e é o estopim principal das guerras + desumanas que temos presenciado nesse nosso mundinho pré-aquecido.

E, como bem pensam os mais “práticos”, quando NÃO se há certeza de nada é melhor inventar uma guerra e acabar logo com essa lengalenga de compaixão.

Enfim, são coisas dessa nossa humanidade(?) que não dá pra engolir nem na base da reza forte...

Melhor pular esse pedaço do rosário!


Voltando pra “Dúvida”, é comovente a cena final em que aquela mulher, a Irmã Aloysius Beauvier, que é um poço de rigidez, conservadorismo, extremamente retrógrada, rigorosa, dura na queda e o caralho de asa tomando Red Bull, se DESMONTA completamente e confessa que SIM, que ela tem muitas dúvidas, ela é uma mulher CHEIA de dúvidas.

E você, miguxinhooo, ainda tem alguma dúvida sobre si mesmo???

Pois eu duvido SIM, sou a dúvida em pessoa, não gosto de certezas, principalmente as absolutas, elas são artificiais, imprecisas, não me acrescentam em NADA...

Já a dúvida não, a dúvida me estimula muito, me faz correr atrás do que eu quero (e eu NÃO tenho a menor dúvida sobre o que eu quero), a dúvida me faz borbulhar os hormônios, é a dúvida que conduz a minha escrita, o meu texto, o meu subtexto, o meu pretexto, o meu contexto...

Portanto, podem duvidar de mim, mas duvidem muuuuuuuuuuuuuuuuuito mesmo, pois eu já não duvido de + ninguém!!!
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Um comentário:

MARCOS MAZZARO disse...

Pois é... Este será o próximo filme que vou ver. The Reader me incomodou pelas suas quase certezas...Depois quero falar mais sobre esse filme... Mas só para frisar um ponto em comum... Se por um lado " a dúvida é a pior coisa que existe" ( Dostoievski) eu me fundo nela a cada instante... como um Ivan Karamazov...
Bjus