sábado, 10 de novembro de 2007

Vampiros de Papel: uma relação de cumplicidade

Consta do mito de Drácula que o vampiro não pode entrar numa casa sem antes ter sido convidado: depois dessa primeira vez, contudo, pode entrar sempre que quiser. Este aspecto da lenda é uma metáfora sobre a relação de cumplicidade e ajuda a decompor o mito contemporâneo do marketing. “Só é possível iludir quem manifesta o anseio de ser iludido, só é possível manipular quem desejou ardentemente ser manipulado” (La Boétie).
O marketing jornalístico não manipula a curiosidade do público, pois lhe falta poder para tanto. Manipula sim, a atribuição de uma curiosidade ao público e fica à espera da sua resposta, que será um convite ou uma proibição. Find a need and fill it, diz o adágio comercial americano, e é quase isso que a curiosidade pública diz todos os dias aos jornais. I am a need, fill me: quero ser iludido; quero receber de manhã o vasilhame da verdade pasteurizada e engarrafada; quero satisfazer minha paixão pela fofoca, mais ou menos sublimada mas sempre fofoca; quero me colocar sob o céu diáfano da ideologia; quero que o jornal me diga o que é a verdade e o que não é, o que está certo e o que está errado, por que a idéia de não existi a “verdade” nem o “certo” é intolerável para mim e não posso conviver com ela. Preciso ter certezas como preciso de um deus, cristão, muçulmano, seichonoiê. A força dos jornais é infelizmente o espelho da minha fraqueza, sou vampirizado na ideologia.
Porém, exijo alguma coisa em troca. Quero ética, por exemplo, no mundo público do qual os jornais são as portas (agora sou eu – leitor – o vampiro que aguarda o convite para entrar); me agrada assistir, no carrossel do noticiário, ao espetáculo estimulante da flagelação moral, aliás conveniente posto ser necessário que alguém seja culpado para que todos sejam inocentes. Não tem problemas: os jornais providenciarão um escândalo por dia para que eu, como nas touradas, me deleite numa catarse de sonâmbulo. Quero que o meu jornal seja destemido; ele saberá dar a impressão de que é; quero que ele seja independente; é pra já, ele colocará a independência no seu dístico; quero que ele seja imparcial; ah, pois não, a imparcialidade será o evangelho que ele vai pregar com toda a manha. O hábito é uma espécie de tensão entre a necessidade e a liberdade. Sintomaticamente, nós todos somos leitores de jornal por hábito.
Otávio Frias Filho

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